Apreciem!
1.
COMO A DOCE MAÇÃ
Como a doce maçã que rubra, muito rubra, lá em cima,
no alto do mais alto ramo os colhedores esqueceram; não,
não esqueceram, não puderam atingir.
Safo de Lesbos (630 e 612 a.C).
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
2.
É TÃO GENTIL E TÃO HONESTO O AR
É tão gentil e tão honesto o ar
de minha Dama, quando alguém saúda,
que toda boca vai ficando muda
e os olhos não se afoitam de a fitar.
Ela assim vai sentindo-se louvar
na piedosa humildade em que se escuda,
qual fosse um anjo que dos céus se muda
para uma prova dos milagres dar.
Tão afável se mostra a quem a mira
que o olhar infunde ao coração dulçores
que só não sente quem jamais olhou-a.
E quando fala, dos seus lábios voa
Uma aura suave, trescalando amores,
que dentro d’alma vai dizer: “Suspira!”
Dante Alighieri.
Tradução de Ivo Barroso.
3.
RIMA 183
Se dela o doce olhar me mata aqui,
e as palavrinhas brandas de tal sorte,
e se Amor sobre mim a faz tão forte,
só quando fala ou só quando sorri,
ah! que será, se acaso ela por si,
por minha culpa ou por malvada sorte,
separa os olhos da mercê, e à morte,
lá onde me protege, então me fie?
Porém se tremo, e em coração gelado
vejo às vezes mudar sua figura,
medo é de antigas provas derivado.
Mulher é coisa móvel por natura;
onde eu sei bem que um amoroso estado
no peito dela pouco tempo dura.
Francesco Petrarca.
Tradução de Vasco Graça Moura
4.
LEDA SERENIDADE DELEITOSA
Leda serenidade deleitosa,
Que representa em terra um paraíso;
Entre rubis e perlas, doce riso,
Debaixo de ouro e neve, cor-de-rosa;
resença moderada e graciosa,
Onde ensinando estão despejo e siso
Que se pode por arte e por aviso,
Como por natureza, ser formosa;
Fala de que ou já vida, ou morte pende,
Rara e suave, enfim, Senhora, vossa,
Repouso na alegria comedido:
Estas as armas são com que me rende
E me cativa Amor; mas não que possa
Despojar-me da glória de rendido.
Luís Vaz de Camões
5.
AS MULHERES
Houve mulheres serenas,
de olhos claros, infinitas
no seu silêncio,
como largas planícies
onde um rio ondeia;
houve mulheres alumiadas
de ouro, émulas do Estio
e do incêndio,
semelhantes a searas
luxuriantes
que a foice não tocou
nem o fogo devora,
sequer o dos astros sob um céu
inclemente;
houve mulheres tão frágeis
que uma só palavra
as tornava escravas,
como no bojo de uma taça
emborcada
se aprisiona uma abelha;
outras houve, de mãos incolores,
que todo o excesso extinguiam
sem rumor;
outras, de mãos subtis
e ágeis, cujo lento
passatempo
era o de insinuar-se entre as veias,
dividindo-as em fios de meada
e tingindo-as de azul marinho;
outras, pálidas, cansadas,
devastadas pelos beijos,
mas reacendendo-se de amor
até à medula,
com o rosto em chamas
entre os cabelos oculto,
as narinas como
asas inquietas,
os lábios como
palavras de festa,
as pálpebras como
violetas.
E houve outras ainda.
E maravilhosamente
eu as conheci.
Gabriele D’Annunzio.
Tradução de David Mourão-Ferreira.
6.
AMIGA
Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.
Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!
Beija-me as mãos, Amor, devagarinho…
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…
Beija-mas bem!… Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos
Os beijos que sonhei prà minha boca! …
Florbela Espanca
7.
LA BELLE DAME SANS MERCI
Que te pode doer, pobre diabo
Só em desalento vagando;
Os cíperos vêm secos desde o lago
E nenhum pássaro cantando.
Que te pode doer, pobre diabo
Tão triste, tez desfigurada?
Cheio o celeiro do esquilo
E a colheita consumada.
Vejo um lírio em tua frente
Em angústia e febre orvalhado;
E na face uma rosa lânguida
Que já em breve também terá murchado.
Uma Dama nos prados encontrei
Formosa em plenitude, filha de fada
De longa cabeleira, leve o pé
E era de fera a sua fé mirada.
Pousei-a em meu corcel a passo
E durante esse dia mais vi nada
E do lado inclinada ela pendia
E uma canção cantou de fada.
Uma grinalda fiz para a cabeça
E bracelete e laço perfumado
E como se me amasse me fitou
E suave lamento foi lançado.
Sumo de orvalho, mel agreste e essências
De ameno sabor me regalou
E com certeza em língua estranha,
Eu te amo, declarou.
Para a sua gruta encantada me levou
E lá bem suspirou profundamente
E lá cerrei seus feros tristes olhos
Assim beijados, dormentes, dormentes.
E lá bem me embalou até o sono
E lá sonhei – Ah, mala sina
O último sonho que jamais sonhei
Nesse lado frio da colina.
Pálidos reis eu vi e também príncipes
Guerreiros pálidos, na lividez da morte
Gritando: “La belle Dame sans mercy
Tem-vos serva a sorte”.
Vi seus lábios à míngua no crepúsculo
Greta agourenta grande e bem ferina
E despertei aqui me achando
Nesse lado frio da colina
E eis porque passo por aqui
Só em desalento vagando,
Embora os cíperos secos desde o lago
E nenhum pássaro cantando.
John Keats.
Tradução de José Lino Grünewald
8.
SONETO XLIII – COMO TE AMO?
Amo-te quanto em largo, alto e profundo
Minh’alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.
Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do Sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.
Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.
Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quiser,
Ainda mais te amarei depois da morte.
Elizabeth Barrett Browning.
Tradução Manuel Bandeira.
Produção. Dalmir Ledur