Episodio 47– A alimentação nos povoados missioneiros 15.06.25
EPISÓDIO 47 – A alimentação nos povoados missioneiros
2 Antonio, hoje vamos conversar sobre a alimentação nos povoados
3 guarani-jesuíticos. Geralmente ouvimos dizer que os indígenas recebiam
4 uma porção diária de carne para a sua alimentação. Certamente, essa era
5 a ‘mistura’! Mas, qual eram os outros alimentos que eles consumiam
6 diariamente?
7 Marisa, de fato era assim mesmo! Então eu te convido a dialogarmos com as
8 informações trazidas sobre o assunto, principalmente por dois missionários
9 jesuítas, o padre Montoya, que atuou no início da criação das reduções, e o
10 padre Cardiel, que trabalhou no final da experiência missionária jesuítica na
11 América. Há entre os relatos deles um período de mais de cem anos e, por isso,
12 vamos entremear com informações trazidas por outros missionários que viveram
13 nesse tempo entre os Guarani reduzidos.
14 Os indígenas missioneiros tiveram acesso, dentro dos povoados jesuíticos, à
15 carne bovina e de galinha, a pratos feitos à base de trigo, mas não abandonaram
16 a sua alimentação tradicional. Tradicionalmente, a base de sua alimentação
17 eram, e continuaram sendo nos povoados, o milho e a mandioca, acompanhados
18 de outros grãos, de outras raízes, como as batatas, de legumes, de carne de
19 caça, de peixes, de cobras e de pássaros e de frutas silvestres, como a banana-
20 da-terra, o araticum, a guavira, o guaimbé, com o qual também faziam cordas
21 fortíssimas, e tantos outros. Com eles, os indígenas preparavam uma grande
22 quantidade de pratos. Os jesuítas também acabaram tomando para si vários
23 desses alimentos.
24 Antonio, fiquei curiosa: que pratos eram esses!
25 Marisa, os indígenas preferiam o milho ao trigo. Ele era consumido tanto verde
26 quanto seco, assado, torrado ou cozido. Ele podia ser cozido inteiro ou moído
27 com o uso de pilão. Com ele os Guarani faziam tortilhas cozidas que eram muito
28 apreciadas, além de colocá-lo na maioria de seus ensopados. O mingau de
29 milho, o ancestral da polenta, mais espesso ou ralo, ou misturado com ervas, era
30 considerado uma iguaria pelos Guarani. Mas havia um preparado que era
31 consumido antes da entrada nas missões jesuíticas e que ingressou nos
32 povoados missioneiros: a chicha, chamada de kaguĩ. Porém, a regra que se
33 devia seguir era não deixá-la fermentar por muito tempo para que não se
34 transformasse em bebida alcoólica, e esse foi um problema que os missionários
35 tiveram de atacar o tempo todo! A rigor, o gosto dessa chicha lembra o do caldo
36 doce da canjica. Ela era também um alimento muito rico em nutrientes, sendo
37 ainda hoje consumida pelos povos Guarani falantes, e pelos curiosos como eu!
38 Outro alimento que damos destaque é a mandioca, como diziam os missionários,
39 o pão dos Guarani. Eles a consumiam cozida, assada no borralho, mas também
40 ralada ou moída e seca ao sol ou tostada no fogo, como farinha, fresca ou
41 granulada, ou ainda curtida vários dias na água. Os missionários negativamente
42 chamavam essa mandioca curtida de mandioca podre! Com ela, preparavam
43 também diversos pratos, como os famosos bolos de mandioca curtida, uma
44 versão antiga dos bolos de mandioca pubada de hoje; Com a mandioca ralada
45 ou moída, preparavam a chipa, uma espécie de rosca ainda hoje muito
46 consumida no Paraguai e no Brasil. Ao lado da mandioca, inúmeros tipos de
47 batatas, de abóboras e feijões eram utilizados na culinária guarani, com os quais
48 preparavam inúmeros pratos. Tenho também de falar dos diversos tipos de
49 farinha que produziam, guardavam e consumiam, para além das já citadas
50 farinha de mandioca e de milho. Os Guarani utilizavam farinha de alfarroba, de
51 peixe, da casca da mandioca...
52 E como era o modo de cozinhar e de comer nos povoados missioneiros?
53 Marisa, os povos Guarani já produziam cerâmica antes da chegada dos
54 missionários e continuaram a produzi-la nos povoados missioneiros. Suas
55 panelas e recipientes eram, na sua maioria de barro. A carne, geralmente era
56 assada diretamente no fogo, em espetos de madeira, mas, assim como os feijões
57 e favas e outros pratos, ela era cozida nas panelas de barro. O sal, artigo raro e
58 caro nas missões, entretanto, não era acrescentado costumeiramente pelos
59 indígenas na panela, mas os alimentos podiam ser passados nele depois de
60 cozidos, como se fosse um molho. Os alimentos eram consumidos do prato
61 individual, feito de barro, diretamente com a mão, revolvendo-os na farinha.
62 E quais eram os pratos consumidos nas festas dos povoados?
63 Em quase todas as festas, nos casamentos e nas chegadas de viagens havia o
64 que os missionários chamavam de banquetes, realizados nos alpendres das
65 casas e nunca em seu interior. Nesses momentos, cada cacique recebia pela
66 manhã uma vaca para ser consumida com os seus. Essas churrascadas eram
67 acompanhadas por pratos feitos com batatas, mandiocas e legumes. Alguns
68 poucos indígenas que haviam sido padeiros na casa do Padre faziam pães de
69 trigo nesses dias. Nesse banquetes podiam também assar galinhas e tomar da
70 sua tradicional chicha, como indica o padre Cardiel, de modo que, ao lado das
71 cabaças de chicha, o Mayordomo, por ordem do Padre, colocava um pouco de
72 sal, outro de erva-mate, outro de mel de cana-doce, outro de fumo que seria
73 mascado pelos indígenas, um saco de pêssegos secos, um saco com laranjas-
74 da-China e outras coisas, conforme a época.
75 E a alimentação dos padres, era a mesma que a dos indígenas?
76 Os padres partilhavam muito da dieta indígena. Eles comiam ovos, peixe, carne
77 bovina, de ovelha, de caça, legumes, trigo, com o qual se faziam pães e
78 biscoitos, mel, frutas trazidas do além-mar e também silvestres. Assim como os
79 indígenas, comiam mandioca. O vinho para missa que não fosse produzido nos
80 povoados, era fornecido com o recurso anual que recebiam da coroa espanhola,
81 através do procurador das missões que, no século XVIII, residia no povoado de
82 Candelária.
83 Espero que tenhas gostado do assunto tratado nesse episódio. Até o próximo!
84 Aguyjevete! Obrigado!
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