TANIA LEDUR
Episódio 41– As fugas dos povoados jesuíticos 04.05.2025
EPISÓDIO 41 – As fugas dos povoados jesuíticos Olá! No episódio de hoje vamos conversar sobre um assunto pouco tratado sobre as missões jesuíticas com os Guarani: as fugas de indígenas desses povoados. Antonio, quais eram os principais motivos que levavam os Guarani a fugir das reduções jesuíticas? Olá, Marisa! Os motivos para tais fugas eram diversos, mas, dentre eles destacavam-se as restrições impostas pelo rígido controle social e religioso que existia nos povoados. O padre Cardiel escreveu sobre isso no século XVIII. Diz o padre que eram muitos os indígenas reduzidos que fugiam, principalmente para os povoados de espanhóis, embora muitos voltassem às suas terras antigas. Mesmo que não passasse de um por cento da população reducional, que na Província do Paraguai somava cem mil pessoas naquele momento, a soma desses fugitivos chegava a número expressivo, algo em torno de mil pessoas. Escreveu o jesuíta que uns fugiam porque eram castigados por não fazer suficiente roça para sua família; outros, por matarem bois e terneiras por conta própria e para seu benefício. O padre diz que tal prática não passava sem castigo para que a economia dos povoados não fosse prejudicada. Outros ainda eram punidos com açoites por conta de não possuírem uma sexualidade regrada, na medida do esperado pela missão. Outros ainda não aceitavam o controle que havia sobre eles, exercido por fiscais, alcaides, mayordomos e, por isso fugiam para longe dos povoados missioneiros. Sobre o controle social e os castigos físicos ainda veremos aqui na Série. Mas, diz Cardiel que eles podiam fugir sozinhos, sem mulher, ou com mulher alheia – sim, geralmente eram homens os que fugiam! Os fugitivos sabiam que, nas matas, granjas ou estâncias de gado, poderiam viver sem castigos ou esconder melhor essas práticas consideradas tanto como crimes quanto como pecados pela missão. Mas há aqueles que fugiam por não se adaptar à rotina do povoado ou por discordar da maneira como lá se vivia, especialmente em matéria de moral matrimonial, como também para buscar sobreviver fora do povoado nos momentos de fome ou de epidemias. Enfim, o rol dos motivos era imenso! Muitos são os casos relatados pela documentação histórica missionária sobre a fuga dos povoados missioneiros. Poderia trazer algum registro para ilustrar o assunto? Sem problemas, Marisa. Trago o relato de um caso de fuga coletiva acontecido entre 1635mil seiscentos e trinta e cinco e mil seiscentos e trinta e sete na Redução de Santa Maria Maior. Diz o relato missionário: “Ordenou-se que os índios de Santa Maria Mayor que desejavam ser inscritos entre os catecúmenos abandonassem antes suas mulheres, ficando somente com uma. Os mais virtuosos obedeceram; os restantes, temendo ser compelidos pela força ao cumprimento de tal preceito, embarcaram no rio, e escondendo-se em bosques impenetráveis, fizeram uma aldeia e semearam, propondo-se a viver como gentios.” Tendo o padre Ruyr descoberto o acontecido, enviou mensageiros a fim de convencer os fujões a retornarem ao povoado. Eles, no entanto, desobedeceram às ordens do padre e fizeram papel contrário, incitando a que mais pessoas também fugissem da redução. Como solução, “a fim de evitar os males que pareciam prováveis, os padres Claudio Ruyer e Vicente Badía partiram acompanhados de cristão neófitos ao lugar onde residiam os fugitivos; estes se achavam então dispersos pelo campo e dedicados à caça; os cristãos incendiaram, então, as casas dos povoado e fizeram voltar à Santa Maria as crianças e as mulheres; quando os homens voltaram à noite, não tiveram outro remédio a não ser obedecer em tudo aos missionários, com os quais teriam voltado à Santa Maria.” E como os jesuítas reagiam aos que retornavam aos povoados missioneiros, fosse por livre vontade ou capturados? Marisa, havia desconfiança, aliás, muita desconfiança com relação a eles. Os poucos fugitivos que voltavam eram vistos como potenciais corruptores do povoado e, em alguns deles, sua presença chegava a ser evitada nos povoados para evitar que influenciassem os demais a fugas futuras. Até porque muitos deles voltavam a fugir. Os missionários, porém, tentavam reinseri-los no cotidiano do povoado através de "cuidados especiais", combinando disciplina e persuasão religiosa. O motivo é que, muitos deles, no período de distanciamento da missão, mantinham contato com espanhóis, mestiços e trabalhadores escravizados, os quais não eram bem vistos pelos missionários por conta de sua vida pouco disciplinada, principalmente em matéria de piedade religiosa e de cultivo de vícios, como o alcoolismo. E aqueles que não voltavam para os povoados missioneiros, que condições teriam de sobrevivência num espaço que se tornava cada vez mais ocupado pela colonização? Marisa, nos século XVII e XVIII, a colonização ainda não atingia todos os espaços, havendo certa porosidade na ocupação espacial, havendo possibilidade de muitos indígenas sobreviver ao lado ou próximo dos colonizadores, ao modo tradicional, embora sempre fossem alvo de suas investidas no sentido de exploração de sua mão de obra. Agora, aqueles que fugiam para junto dos espanhóis, mestiços e escravizados, segundo o padre Cardiel, sobreviviam como trabalhadores assalariados e eram chamados no mundo espanhol de peões, recebendo entre cinco e seis pesos por mês, além da comida, que era o salário de um peão comum. Passado o mês, eles iriam, segundo o padre, jogar e gastar o pagamento em aguardente, algo que não tinham nos povoados missioneiros. Após gastar seus cinco pesos, o peão voltava a alugar sua força de trabalho. E assim passavam a vida toda, sem se fixar num lugar. Uns dias estavam nas fazendas de Buenos Aires ou na cidade; pouco depois iam para Santa Fé; dali, ao Paraguai, distante 200 léguas; e vagueavam pelo território. São os primeiros ‘gauchos’, os ancestrais dos gaúchos do presente! Espero que tenhas gostado do assunto tratado nesse episódio. Até o próximo, quando continuaremos tratando de assuntos levantados aqui hoje. Aguyjevete! Obrigado!
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