Episódio 27 Disputas dos jesuítas com os líderes espirituais indígenas 26.01.2025
Episódio 27 - Disputas dos jesuítas com os líderes espirituais indígenas O título do episódio de hoje é “Disputas dos jesuítas com os líderes espirituais indígenas”. Antonio, qual o motivo da escolha desse título? Marisa, a instalação de povoados missioneiros foi acompanhada de muitas tensões entre os missionários e aqueles que se negavam a abandonar as práticas culturais que se chocavam com a organização social e religiosa que chegava. Mesmo após a consolidação de tais povoados, a chegada de novas pessoas podia trazer consigo tais tensões. Dentre as pessoas que mais resistiam à mudança estavam os Xamãs, os líderes espirituais indígenas. E foi com eles que os missionários mais disputaram o respeito e o reconhecimento junto ao povoado, principalmente com aqueles que possuíam um reconhecimento maior, às vezes em uma vasta região, como foi o caso Ñezu, já tratado em um episódio anterior. Mas, vamos ao assunto porque o tempo é breve! Os missionários reconheceram, desde sua chegada nas terras indígenas, que os Guarani possuíam grande respeito e temor pelos seus xamãs. A primeira coisa que fizeram, então, foi persuadi-los a abandonar as práticas religiosas a que estavam acostumados, desacreditando-as publicamente a elas e a seus líderes espirituais. Um exemplo disso encontramos no livro A conquista Espiritual, escrita pelo padre Antonio Ruiz de Montoya em 1639, no famoso episódio do culto prestado, na mata, aos ossos de quatro grandes líderes espirituais falecidos fazia pouco. Os missionários haviam percebido grande diminuição na participação nas missas aos finais de semana e descobriram que a causa disso era que as pessoas estavam indo prestar reverência aos ditos ossos em vez de irem à Igreja. Os ossos foram descobertos e, juntos de plumas e outros ornamentos, foram levados pelos missionários ao povoado. O povo foi reunido na praça central. Algumas pessoas acharam que os missionários faziam mal manuseando os ossos, pois isso poderia trazer muitos malefícios ao povoado, como más colheitas, desastres naturais e doenças; outros achavam que as almas daqueles mortos já tinham se encarnado novamente em jovens do povoado; outros achavam, segundo o relato, que o poder dos missionários era maior do que o de seus antigos líderes, pois estes haviam conseguido por as mãos em seus ossos. Ao final, o missionários, para desacreditar de vez o poder dos xamãs, fizeram um teatro público, jogando água benta nos ossos, lendo orações em latim e, fazendo emocionada pregação, queimaram o material apreendido à vista de todos. Com isso, teriam se mostrado mais poderosos que os antigos líderes religiosos indígenas, desacreditando-os e se impondo espiritualmente ao povoado, com argumentos de que o Deus cristão era mais poderoso que os entes espirituais indígenas. Mas tudo isso era uma ação plena de risco para a vida dos missionários, pois tudo poderia descambar para a não aceitação em definitivo da missão. No relato do padre Montoya, a existência do grupo de pessoas que achava que os missionários haviam agindo mal ao não respeitar os ossos dos mortos e que isso poderia trazer malefícios à comunidade indica um elemento que consideramos dos mais importantes na ação dos xamãs guaranis, que é o profetismo. Esses líderes espirituais realizavam a intermediação do mundo dos vivos com o mundo espiritual através de rituais os mais diversos. A chegada dos missionários desestruturava essa relação e os xamãs reagem a isso, inclusive ameaçando interferir nos fenômenos da natureza e no equilíbrio da comunidade, colocando-se, nas palavras dos missionários, como homens-deuses. A fala de Potiravá incitando Ñezu à morte dos padres, como vimos em um episódio anterior, indica isso. É por esse motivo que os líderes religiosos indígenas foram aqueles que mais resistiram politicamente não somente à presença dos missionários como dos colonizadores em geral em suas terras. Quando os missionários viam que era impossível vencer retoricamente tais pessoas, eles os desterravam para longe do povoado a fim de que não atrapalhassem a missão. Esses líderes religiosos tradicionais eram também curandeiros, os médicos tradicionais. Fale um pouco sobre o assunto e como os missionários lidaram com isso! Como dissemos noutro momento, os xamãs indígenas foram tomados pelos missionários como feiticeiros e porta-vozes do demônio. Vamos voltar a esse assunto mais adiante, mas por enquanto nos interessa analisar falar do papel que possuíam na cura das doenças de seus patrícios. Além do uso de vegetais e outros remédios de origem animal ou mineral, esses curandeiros realizavam rituais de cura, como soprar o doente ou chupar-lhes as partes adoecidas, utilizando não raras vezes os cantos de aves como oráculos. Os jesuítas chamam a essas práticas de superstições e enganação. Para fazer frente a essas práticas curativas, os missionários, ao mesmo tempo implementam nos povoados a medicina que conheciam na Europa, trazendo de lá medicamentos e técnicas da medicina hipocrático-galênica, também passam a produzir medicamentos, realizando estudos a respeito dos remédios utilizados pelos próprios indígenas. Com isso, chegaram a elaborar manuais de medicina que se difundiram pelo espaço americano, como também formaram enfermeiros indígenas nos povoados para atender os enfermos. Assim, se os xamãs utilizavam remédios, aliados a rituais religiosos, os missionários passaram a fazer o mesmo. E ao mesmo tempo em que ministravam seus remédios, utilizavam orações cristãs, amuletos religiosos, imagens de santos, relíquias, sacrifícios corporais, penitências, procissões, água benta e sacramentos buscando a cura dos males e enfermidades. Em outras palavras, eles se colocam como magos mais poderosos que os antigos xamãs, ocupando o seu lugar. Teríamos ainda muita coisa a dizer sobre o assunto, de modo que voltaremos a ele em outros momentos. Mas, espero que tenham gostado do que tratamos nesse episódio. Até o próximo. Aguyjevete. Obrigado!
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