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EPISÓDIO 51 – COISAS DE HOMEM E COISAS DE MULHER NAS MISSÕES JESUÍTICAS 13.07.2025
EPISÓDIO 51 – COISAS DE HOMEM E COISAS DE MULHER NAS MISSÕES JESUÍTICAS 13.07.2025
EPISÓDIO 51 – COISAS DE HOMEM E COISAS DE MULHER NAS MISSÕES JESUÍTICAS
Antonio, o assunto de hoje é sobre a divisão de funções por sexo nos povoados missioneiros. O que tem a nos dizer sobre isso?
Nas missões jesuíticas, os indígenas foram apresentados a uma separação rígida entre homens e mulheres: nas oficinas, na escola, na igreja, no sistema punitivo, nos espaços frequentados pelos missionários, na distribuição do poder, em todas as atividades cotidianas, enfim! Mas, por mais que as mulheres tivessem um papel central no cotidiano dos povoados, havia algumas funções que elas estavam proibidas de exercer, como dito nas Ordenações do Padre Nicolás Mastrilli Durán, de 1623, quando afirma: “Porque o bom governo pede que os padres não trabalhem tudo por eles próprios, é necessário ter bons oficiais: o primeiro será o fiscal ou fiscais, para que tenham cuidado de juntar as crianças à doutrina, e de rezar com eles pela manhã e tarde; ele acompanhará o padre, avisará dos enfermos e dará conta dos que faltam na missa, e cuidará de todo o restante que o padre lhes mandar. O segundo, tenham um bom cozinheiro, que seja homem e não menino. O terceiro, um porteiro que seja também homem e acompanhe também de noite, se se oferecer sair de casa. O quarto, um mestre de canto e de ler, que ensine pela manhã e pela tarde. Quinto, um ou dois sacristãos. Sexto, um despenseiro, também homem, em quem possam fiar as coisas grossas de comida. O sétimo, um mayordomo dos gados.”
Por que a preferência por homens e não por mulheres?
O primeiro motivo era moral, já que os missionários deviam distanciar-se o mais que pudessem da convivência feminina, por conta do voto de castidade. A segunda tem a ver com a forma como o catolicismo tomava a mulher, fisiológica e psicologicamente. Ela era vista como ser inferior ao homem, carregada de debilidades, de fraquezas, o que a tornaria incapaz de realizar diversas funções sociais.
Antes das missões religiosas, as mulheres indígenas possuíam outro status social?
Como vimos noutro episódio, as missões jesuíticas receberam diversos outros povos indígenas, para além dos povos Guarani, e em cada um desses povos as mulheres possuíam status social diferente, com funções cotidianas diferenciadas, fosse para cuidar dos filhos, buscar lenha e água ou cuidar da casa. No caso das sociedades Guarani, por exemplo, o poder já seguia a linhagem patrilinear, quer dizer, as linhagens eram constituídas a partir do homem, o cabeça de uma parentela. E isso passou para os povoados missioneiros. Embora esse elemento, uma diferença que se coloca, de imediato, é que, na redução, a mulher não somente foi distanciada do altar e das funções litúrgicas, como também do trânsito nos espaços de poder, algo que não era assim antes do projeto reducional. Como vimos em outro episódio, o poder exercido no Cabildo, uma espécie de prefeitura dos povoados missioneiros, era essencialmente masculino.
Isso quer dizer que, nas missões, o espaço designado ao feminino era mais o doméstico?
Não somente. Elas cuidavam da casa e dos filhos, principalmente nos primeiros anos de vida, mas participavam também dos espaços produtivos públicos, principalmente na colheita e fiação do algodão, assunto que veremos noutro episódio, mas também das roças familiares. Mulheres mais velhas, que fossem tomadas como exemplares, assumiam também o acompanhamento e vigilância de outras mulheres e meninas nas atividades produtivas, de formação ou religiosa, ou mesmo no cotiguasu, como se fossem alcaides. Segundo Sepp, nas plantações de algodão, os rapazes e as moças tinham por trabalho arrancar as ervas daninhas que o arado não alcançava. A capina do milharal, da mesma forma, era feita por rapazes e moças, usando as mãos ou a ‘paleta de vaca’ como enxada para retirar as ervas daninhas deixadas pelo arado. As moças também carregavam as telhas do tendal para o forno. Os homens, por sua vez, eram responsáveis por ofícios mecânicos (como carpintaria e ferraria), pela agricultura, guerra e pela administração do povoado.
Havia, no cotidiano missioneiro, todo um aparato de controle das atividades. Fale um pouco sobre isso, Antonio.
O poder masculino era exercido também em outros espaços para além do Cabildo. Na verdade, as varas de alcaides eram também distribuídas para outras pessoas, a fim de que mantivessem a boa ordem do povoado. Os tecedores tinham seu alcaide, que velava sobre seu ofício, dando conta ao padre de seu trabalho. Havia alcaide dos ferreiros, dos carpinteiros e demais ofícios importantes. As mulheres tinham também seus alcaides, que eram homens idosos, dentre eles os mais exemplares e devotos, que as vigiavam nos trabalhos. Da mesma forma, havia o alcaide dos meninos, que, de sete anos acima, eram obrigados a acompanhá-lo à Doutrina, reza e demais funções, como trabalhar nas roças e em outras atividades.
Outro espaço masculino de poder, reconhecido e mantido nos povoados missioneiros, era o dos caciques. Visando a uma maior organização do povoado, dividia-se o núcleo urbano em várias parcialidades, nomeando-as de Santa Maria, São José, Santo Inácio, etc. Cada parcialidade tinha quatro ou seis cacicados, os chefes da parentela, ligados a um chefe ou maioral do Cabildo. Os caciques eram declarados pelo rei como nobres (recebiam o título de Dom). Cada cacique tinha trinta, quarenta ou mais ‘comandados’. Ele acompanhava essas pessoas nos trabalhos públicos. Mas, mesmo nobres, tinham de trabalhar.
As mulheres podiam assumir função de cacicas nas missões jesuíticas?
Tradicionalmente, a liderança política, entre os Guarani, era exercida pelos homens. Mas há um caso referido pelo Padre Cardiel que nos informa de que um mulato havia se casado com uma cacica da redução: “Um mulato, a quem tratei muito, sendo moço, se casou com uma cacica, cujo cacicado havia perdido a linha masculina: que é coisa que não sei que haja sucedido outra vez, porque as índias nunca se casam senão com os índios.” Mas a documentação histórica traz casos em que as mulheres indígenas rompem com o espaço que lhes era designado. E esse será o assunto do nosso próximo episódio.
Espero que tenhas gostado do que tratamos hoje. Até mais. Aguyjevete. Obrigado!
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