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EPISÓDIO 26 – A religião indígena anterior à chegada dos missionários 19.01.2025
EPISÓDIO 26 – A religião indígena anterior à chegada dos missionários 19.01.2025
EPISÓDIO 26 – a religião indígena anterior à chegada dos missionários
Antonio, no episódio anterior você disse que os missionários escreveram em seus relatos que os Guarani não possuíam nem fé, nem lei e nem rei. Quer dizer, eles não possuiriam sequer religião?
Marisa, esse é um assunto que, para bem trata-lo, é preciso que abandonemos todo e qualquer preconceito sobre a religião do outro, aquela que é diferente da minha religião ou do meu modo de pensar a dimensão espiritual dos seres humanos. Digo isso porque estamos acostumados a definir como religião um conjunto de doutrinas bem arranjado teologicamente que se perpetua no tempo e no espaço a partir de uma estruturação física, de um corpo sacerdotal, de uma ritualística e de uma ética que une a dimensão física e a sobrenatural. Nessa lógica, a religião do outro que não se encaixa no conceito previamente estabelecido é tomado como superstição, seita, religiosidade ou simplesmente como não religião.
Como assim? O que isso tem a ver com os Guarani antes da chegada dos missionários cristãos?
Veja, quando os missionários contataram os Guarani no período colonial perceberam que eles não possuíam grandes templos como os europeus ou como os incas, astecas e maias. Tampouco encontraram uma casta sacerdotal, embora tenham encontrado líderes espirituais, os quais foram designados desde o início de magos ou feiticeiros. O próprio padre Antonio Ruiz de Montoya escreveu que os Guarani não possuíam ídolos, isto é, adoração de deuses falsos, embora venerassem ossos de alguns líderes religiosos aos quais possuíam grande respeito. Em outras palavras, na percepção dos missionários os Guarani possuíam uma vivência religiosa, mas não uma religião organizada nos moldes do cristianismo católico.
E como era essa vivência religiosa ancestral? Fale sobre ela.
Inicialmente é preciso que eu diga que tomo essa vivência como religião, mesmo que muito diferente da religião cristã em vários pontos. Primeiro porque ela é uma religião mais vivencial, espiritual, que monumental. Embora não possuísse templos, ela era composta por cantos e danças, assunto que aprofundaremos em um episódio mais adiante. Esses cantos e danças eram rituais adequados para diversos momentos da vida, como para festejar conquistas pessoais ou comunitárias, nascimentos, recebimento do nome, bênçãos, na passagem de fases da vida, morte. Enfim, aconteciam em momentos importantes da vida.
Essas celebrações eram comandadas por mestres religiosos tradicionais, os quais eram chamados pelos missionários, como dissemos, de feiticeiros. Montoya vai chama-los também de jerokyhara, ou mestres-dançantes. Adiante aprofundaremos também nosso estudo sobre eles. Esses homens e mulheres também desempenhavam a função de cura das doenças que acometiam as pessoas, fossem espirituais ou físicas.
Negativamente, os missionários chamaram os momentos celebrativos ancestrais de borracheiras, dado o consumo ritual de kaguĩ, uma bebida fermentada feita de milho, raízes, como de mandioca ou batata, de mel ou de frutas. O padre Montoya registrou essas bebidas como vinho. Quando era feito de milho - Avati kaguĩ - era chamado de chicha; yva kaguĩ era o vinho de cepas; Ei kaguĩ, vinho de mel. Karaku, vinho de raízes, como também era chamado o tutano de vaca.
Devido a ser tomado como problema social, mas principalmente como empecilho para se tornar cristão, o consumo de kaguĩ foi atacado desde o início da implantação de povoados de indígenas. Escreveu o padre Pedro de Oñate, em 1610, sobre isso: “tem esta gente um impedimento para ser cristão é que todas as manhãs à duas ou às três, se levantam para beber, e dura a borracheira até que amanhece. E todas as vezes que hão de ir à caça ou a outra coisa de comunidade, fazem borracheira comum, que dura dois ou três dias”. Quer dizer, os Guarani possuíam outra forma de contato com o mundo espiritual com a qual os missionários não estavam acostumados.
O mesmo pode ser dito do batismo tradicional, o ritual de nominação comandado pelos mestres tradicionais, no qual a palavra-alma era assentada na pessoa através de um ritual altamente elaborado e que envolvia o canto-dança e a chicha. Não se pode negar que os rituais de antropofagia eram também rituais religiosos, como adiante veremos.
Como o nosso tempo é curto, você poderia falar um pouco sobre os pontos de encontro que essa religião tradicional guarani possuía com o cristianismo e que possibilitaram a aproximação entre ambas as manifestações religiosas?
Sem problemas! Mesmo correndo o risco de estabelecer a simplificação de um fenômeno que necessita de um cuidado minucioso para bem analisá-lo, diria que um primeiro elemento de aproximação se refere à noção de imortalidade da alma. Mesmo que haja uma diferença crucial entre a noção tomista de alma humana, a qual é una, embora englobe a dimensão racional, sensitiva e vegetativa, e a alma para os Guarani. Até o próximo. Aguyjevete. Obrigado!
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