EPISÓDIO 16 O caso Ñezu 10.11.2024
EPISÓDIO 16 - O caso Ñeçu
Na história das missões jesuíticas, Ñeçu é um personagem muito
conhecido por ter liderado a morte dos padres Roque Gonzalez, João de
Castilhos e Afonso Rodrigues. Afinal, ele é mesmo um bandido como
muitos falam?
Olá! De fato, também tenho ouvido muitas pessoas falando isso. Mas eu te
convido a pensarmos na ação de Ñeçu a partir da noção de resistência indígena
à colonização e às missões implantadas entre os indígenas.
Como assim? Explique melhor isso!
Como já dissemos em outros episódios, os jesuítas tiveram de negociar com os
indígenas a entrada em seus territórios para fundar ali as reduções. Mas também
buscaram converter os indígenas ao cristianismo, exigindo deles que
abandonassem várias práticas tradicionais que eram consideradas contrárias
aos dogmas e à moral católica. Ñeçu foi uma dessas grandes lideranças com as
quais os missionários tiveram de lidar. Ele exercia grande liderança política e
religiosa na região. Inclusive, ele autorizou a entrada dos jesuítas em seu
território, construindo-lhes uma casa e uma igreja.
O Padre Antonio Ruiz de Montoya, mesmo que em tom edificante, dá pistas dos
motivos que levaram Ñezú a se indispor com o padre João del Castilho na
redução fundada em Caaró em 1628. Dirá Montoya que a fagulha de ódio que
ele nutria contra os jesuítas foi incendiada pela fala de outro líder religioso
indígena que havia fugido da redução de São Francisco Xavier, Potiravá. Quer
dizer, ele já não estava contente com a missão. Montoya dirá que Potiravá que
a redução tirava a liberdade antiga de andar por vales e selvas, pois sacerdotes
estrangeiros os amontoavam em povoados, com a intenção de pregar-lhe uma
doutrina oposta aos ritos e costumes dos antepassados. E ele diz mais para
Ñezu: você já começou a perder a reverência que o povo lhe tinha e se continuar,
assim, já já vai ser sujeitado por eles, tendo inclusive de abandonar o modo
antigo de casamento, e seu poder espiritual vai acabar. E mais, olha ao redor,
nas outras reduções, as pessoas já estão totalmente sujeitas aos missionários e
não vejo remédio senão acabar com a vida deles. Depois disso, Ñezu teria
promovido um levante contra os padres em vários locais, resultando na morte
dos padre Roque Gonzalez e Afonso Rodriguez em Caaró, comandada pelos
caciques Camburé e Caarupé, e de João del Castilhos, em Assunção do Ijuí,
comandada diretamente por Ñezu. Mas o levante não terminou por aí.
Quer dizer, então, que havia a intenção de alguns indígenas acabar com as
reduções fundadas até aquele momento próximo ao Rio Uruguai?
Não posso afirmar isso com certeza absoluta, mas os relatos dos jesuítas
indicam que talvez essa fosse a intenção dos rebelados. O que se sabe é que
depois da morte dos padres de Caaró, relato no qual não entrarei por conta do
pouco tempo que temos, um dos meninos indígenas do Paraná, ajudantes de
missa do padre Roque, que foram poupados da morte, levou a noticia do ocorrido
até a redução de Candelária. Os moradores daquela redução resolveram vingar
a norte dos padres, porém o padre Pedro Romero não permitiu que isso
acontecesse, mas que apenas fossem buscar os corpos dos religiosos mortos.
Então o cacique Mbacabá foi com duzentos indígena armados até Caaró e
encontraram seus corpos meio queimados e também o famoso coração do padre
Roque flechado.
Sabendo disso, Caarupé reuniu trezentos indígenas para matar o padre Romero
em Candelária. Houve luta entre os cristãos da redução e os comandados por
Caarupé de modo que os rebelados foram expulsos, não sem morte de vários
deles.
Da mesma forma Ñezú, depois da morte do padre João del Catilhos, atacou,
também com trezentos indígenas, a redução de São Nicolau, mas ali não teve
luta, pois seus moradores retiraram os padres e os conduziram até a redução de
Concepção.
A reação foi posterior, quando Ñeenguiru reuniu oitocentas pessoas das
reduções das missões da frente do Uruguai e do Paraná para enfrentar os
revoltosos e vingar a morte dos padres. Grande reforço para o campo de batalha
foi enviado pelo capuchinho frei Gamarra, diretamente de suas reduções: o
mestre de campo português Manuel Cabral com outros dez espanhóis e mais mil
indígenas, os quais lutaram ao lado de Ñeenguiru e seu exército. Nos embates
muitos dos revoltosos foram mortos. Em Caaró, cinquenta pessoas foram presas
e dez daquelas que foram consideradas as mais culpados foram depois
enforcadas. Os corpos dos missionários foram então recolhidos e levados para
a redução de Concepção.
Houve ainda outra grande conjuração dos indígenas contra a redução de
Candelária, aliás pouco conhecida, quando em mil seiscentos e vinte e nove, o
grande xamã, Cunumipitá Ibapirí, de Igay, com um bom grupo ameaçou de morte
o padre José Oreggio, porém os reduzidos de Candelária ofereceram-lhes
batalha e os castigaram severamente.
E o que aconteceu com Ñezu e com seus comandados depois de todas
essas batalhas?
Em 1697 o padre Cristóbal de Altamirano escreveu um bilhete ao padre
Francisco Benzônio dizendo que Ñezu, após os embates, teria subido pelo rio
Uruguai até o primeiro salto grande, onde teria se estabelecido, mas que não
tivera sorte porque fora capturado pelos bandeirantes paulistas. Boa parte de
sua parcialidade foi recolhida à Redução de San Xavier. Inclusive nas antigas
terras de Ñezu foi criada uma estância com gado para abastecer a Redução de
San Xavier, chamada de Estancia de Ñezu Retangue.
Espero que tenhas gostado do assunto tratado nesse episódio. Até o próximo!
Aguyjevete! Obrigado
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