EPISÓDIO 15 – Negociação com os indígenas (01 NOVEMBRO 2024)
EPISÓDIO 15 – Negociação com os indígenas Antonio, como era o ingresso dos jesuítas nas terras indígenas? Havia negociação para isso? Muito bem, vou responder a essa questão a partir de dois fatos narrados na documentação histórica jesuítica. O primeiro se refere à fundação da primeira redução no antigo Paraguai, San Ignacio, pelos padres Marcel Lorenzana e Francisco de San Martín, acontecida nos últimos dias de 1609. Naquela ocasião, realizada no território guarani, eles se fizeram acompanhar pelo frei Hernando de la Cueva, que era cura de Yaguarón, uma redução franciscana. Com o frei, foram alguns Caciques de seu povoado, que eram parentes de outros caciques do Paraná e poderiam convencê-los a admitir os missionários em suas terras e ouvir sua pregação. A ida deste sacerdote e de seus acompanhantes foi muito importante para preparar bem os ânimos dos indígenas na chegada dos jesuítas. Esse esforço se somou à boa disposição já demonstrada pelo Cacique Arapizandú em formar reduções em seu território. Quer dizer, os indígenas precisavam querer a redução, e o melhor caminho era o convencimento realizado por outros indígenas já cristianizados. Esse método de chegada nas novas terras foi talvez o mais utilizado pelos jesuítas. O segundo relato foi feito por um padre jesuíta em 1635, sobre os trabalhos dos missionários, e em participar do padre Roque González, na fundação das primeiras reduções nas margens dos rios Paraná, Iguaçu e Uruguai. O relato diz que o padre Roque González havia sido enviado ao Paraná pelo padre Marcel Lorenzana, com grande perigo para sua vida, pois teria conquistado alguns caciques e indígenas que já haviam tentado matar os religiosos. O padre Roque teria sido ouvido por conta do grande domínio da língua guarani que possuía. E aí temos um segundo elemento para o convencimento dos indígenas: falar e falar bem a língua dos indígenas. Mas o relato prossegue e diz que o mesmo padre Roque percorreu os poucos povoados que encontrou no Yacui e Maracanai e em outros lugares próximos, tendo conversado com o cacique principal Tabacambi buscando convencê-lo a reduzir-se. Posteriormente, quando assumiu a redução de San Inacio, ele retornou ao Paraná e fazia constantes saídas da redução nos arredores, conversando com os caciques para reuni-los em povoados. Mas que o padre teria enfrentado muitas dificuldades e contrariedades dos indígenas nesse trabalho. Quando o padre chegou à Itapua, por exemplo, ele conseguiu convencer os caciques do lugar a reduzirem-se, muito embora tivesse inicialmente encontrado neles muita resistência devido ao medo que tinham dos espanhóis. Roque Gonzalez os acalmou e, com sua ajuda, levantou ali uma cruz. Porém, da próxima vez que ele retornou ao lugar, soube que, na sua ausência, os indígenas que moravam rio acima ficaram enfurecidos ao saberem que havia levantado ali uma cruz, e desceram armados em muitas canoas para derrubá-la e só não o fizeram porque os indígenas do lugar não o consentiram. Posteriormente, com a ajuda de alguns carpinteiros de São Ignacio ele começou a erguer uma igreja e, para poder fazê-lo e ter onde se abrigar, comprou um pequeno casebre de um indígena. Quer dizer, era uma negociação constante e as boas relações podiam descambar para tragédias, dadas as grandes diferenças que existiam entre os interesses de missionários e de indígenas. Então, os indígenas, mais do que discordarem do cristianismo, discordavam dos colonizadores, é isso? Eu diria sim e não somente! Sim porque, de fato, a fama da encomienda como experiência desastrosa para as populações indígenas tomou conta do espaço colonial. Os Guarani contatos pelos padres já sabiam da colonização a várias décadas e muitos deles tinham sido ou eram explorados por esse sistema servil de trabalho. O medo dos indígenas era que junto ou atrás dos missionários viessem os colonizadores para explorar a sua mão-de-obra, apossar-se de uas mulheres e de suas terras, tanto é que há relatos nos quais diziam que os jesuítas eram falsos padres ou espanhóis disfarçados com hábito de padres. ‘Não somente’ porque em ingressando nas reduções, os indígenas eram levados a abandonar os hábitos ancestrais que se chocavam com os costumes cristãos. E nem todos estavam dispostos a abandoná-los, sentindo-se ofendidos pelos missionários quando exigiam deles tais mudanças. Foram vários os momentos em que os missionários se viram em apuros porque encontraram líderes indígenas e pessoas comuns do povo que se negavam a abandonar o que consideravam como o modo bom e correto de ser, aprendido desde sempre de seus antepassados, principalmente os velhos. Não raras vezes, algumas pessoas ingressavam nas reduções e depois as abandonavam por conta de discordar de sua organização. Mas os missionários acabaram por criar todo um sistema de cooptação de novos membros para as reduções, seja recebendo em visita os parentes dos já reduzidos e depois convidando-os a permanecer no povoado, seja realizando o que chamavam de ‘caça’, quando pequenos grupos eram levados para o interior do povoado pelos indígenas cristianizados, ou quando nas batalhas com pessoas externas os grupos vencidos eram distribuídos entre as reduções. Mas o principal meio de convencimento para a permanência nos povoados eram a catequese e a pregação constantes, o trato cuidadoso dispensado aos líderes indígenas, o investimento na educação das crianças para que fossem os olhos e os ouvidos dos missionários no interior do povoado, a vivência sacramental, principalmente da confissão e da penitência. Mas temos de considerar também que diversos povos indígenas não aceitaram, ou aceitaram precariamente, a presença de colonizadores em suas terras, fossem missionários ou não. Espero que tenhas gostado do assunto tratado nesse episódio. Até o próximo!
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