Episódio 08 – O tekoha guasu colonial e os diversos povos de fala guarani
EPISÓDIO 08 – O tekoha guasu colonial e os diversos povos de fala
guarani
Antonio Dari Ramos
O povo Guarani do presente é o mesmo povo Guarani da época das
reduções jesuíticas?
Sim e não. Os povos Guarani – veja, ‘os povos’ e não ‘o povo’ – do presente são
descendentes dos povos chamados de guaranis do passado colonial, só que se
autodenominam hoje diferentemente do que se autodenominavam no passado.
Se no presente, existem no Brasil três povos cultural e linguisticamente
aparentados entre si, os quais são chamados genericamente de guaranis, os
M’bya, os Kaiowá, conhecidos no Paraguai como Paí Tavyterã, e os Ñandeva,
também conhecidos como Avá e Chiripá, quando os europeus chegaram à
região na qual os jesuítas implantariam as reduções, eles encontraram naquele
território um conjunto de quatorze povos que falavam uma única língua, a língua
guarani. Eram os Carios, Tobatines, Guarambarenses, Itatines,
Mbaracayuenses, Mondayenses, Paranaes, Ygañaenses, Yguazuenses,
Uruguayenses, Tapes ou Tapês, Mbiazás, Guairaes e Chandules. Disso resulta
que não é correto dizer que existia um povo chamado guarani, mas diversos
grupos humanos conhecidos como guaranis. Ainda hoje os Mbyá, os Kaiowá e
os Ñandeva falam línguas parentes entre si, mas com muitas palavras com
significados e pronúncias bem diferentes, além de possuírem muitas narrativas
míticas específicas.
Se hoje é possível de se perceber diferenças entre os povos guarani falantes,
evidentemente que isso também existia no passado colonial, quando os
missionários identificavam diferenças culturais entre esse povos além de eles
falarem dialetos que diferenciavam um povo do outro. Por exemplo, o padre
Diogo Ferrer registrou que a língua falada pelos Guarani da região do Itatim,
atual Mato Grosso do Sul, era muito diferente se comparada com a língua falada
pelos outros povos Guarani, algo intermediário entre a língua Tupi e a Guarani,
conhecida como Temiminó. As mulheres itatines teriam um costume não
encontrado entre os demais povos guarani falantes que era o de de tatuar o
corpo todo, em forma de listras, feitas com picadas de espinho, uma prática
extremamente dolorosa realizada com fins estéticos.
Se havia tanta diferença linguística, como os jesuítas resolveram esse
problema quando traduziam a doutrina através de catecismos, por
exemplo?
UNIVERSIDADE FEDERAL DA
GRANDE DOURADOS
Faculdade Intercultural Indígena
Projeto Campeando as Origens –
Série Missões Jesuítico-Guaranis
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Contatos do Projeto: Antonio Dari Ramos
Telefone (67) 99644-5908 ; E-mail: antonioramos@ufgd.edu.br
Canal no Youtube: https://www.youtube.com/@CampeandoasOrigens
Os jesuítas se depararam com centenas de línguas indígenas na América, e
tiveram de escolher as línguas mais faladas para traduzir a doutrina cristã. Na
América espanhola eles escolheram três línguas para a catequese, o Aymara, o
Ketchua e o Guarani. As diferenças de dialetos existentes na língua guarani
foram resolvidas através de um guarani que eu chamaria de geral, ou standart.
Esse guarani foi utilizado para compor gramáticas, vocabulários, catecismos,
sermões. O grande nome entre os missionários responsável pela tradução da
doutrina cristã para o guarani standart foi o padre Antonio Ruiz de Montoya,
tendo escrito diversas obras sobre a temática.
E qual era o espaço ocupado pelos povos de fala guarani no período
colonial?
A região ocupada por esse conjunto de povos que falavam a língua guarani é
chamada pelos Ñandeva e pelos Kaiowá de Tekohá Guasu, pelos M’byá de
Tekoa Guasu. Teko é modo de ser, ha é lugar, Guasu é grande. Assim, Tekoha
Guasu é o grande território onde é possível aos Guarani viver o seu autêntico
modo de ser. Esse território, no período colonial, iniciava no atual Estado de Mato
Grosso do Sul, ia em direção ao sul do Continente, incluindo parte da Bolívia, o
Paraguai, parte da Argentina, o Rio Grande do Sul, passava por Santa Catarina
e seguia em direção ao norte, pelo litoral, até o Espírito Santo. A quase totalidade
das reduções jesuíticas foram instaladas no grande território guarani, o tekoha
guasu.
O que significa a palavra ‘guarani’? O que isso tem a ver com a ocupação
do território pelos povos Guarani?
Essa é uma pergunta bastante interessante! Os Guarani são parentes dos Tupi
e dos Tupinambá, fazendo parte do tronco linguístico Tupi-Guarani. Originários
da região amazônica, esse povos se deslocaram para outras regiões há
praticamente 3 mil anos. No sul do continente, os Guarani acabaram se
localizando nas bacias dos grandes rios Paraguai, Paraná, Uruguai e seus
afluentes, chegando até o litoral atlântico.
A primeira vez que o nome guarani (guareni) é encontrado na documentação
histórica é em uma carta escrita do Brasil por Luis Ramírez e endereçada a seu
pai, em 1528. Na carta ele diz o seguinte: “aqui conosco está outro grupo que
são nossos amigos, os quais se chamam guarenis e por outro nome chandris.
Eles senhoreiam grande parte desta Índia.”
Ramirez indica que aquele povo tinha o domínio sobre outros povos. O motivo é
referido pelo padre Montoya quando ele registrou no livro Tesoro de la Lengua
Guarani o significado da palavra Guarinĩ, que é guerra. Guarinĩhára foi registrado
como guerreiro; e a palavra aguarinĩ como guerrear. Essas palavras foram
recolhidas diretamente pelo missionário entre os Guarani do século XVII.
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Foi essa característica guerreira que fez com que os povos Guarani se
estabelecessem em uma vasta região, impondo o domínio sobre diversos outros
povos indígenas, impondo a eles inclusive sua língua. Interessante é dizer que,
apesar de possuir espírito guerreiro, os Guarani, quando não em tempo de
guerra, eram reconhecidos pelos colonizadores como extremamente pacíficos e
colaborativos.
Espero que tenhas gostado do assunto tratado nesse episódio. Até o próximo!
Aguyjevete! Obrigado!
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